domingo, 7 de setembro de 2014

Prédios da Praça da Estação ganham revitalização

Renovação e valorização da área histórica da cidade são urgentes
Por MAURO MORAIS Repórter
Renascença volta a sua cor original
Renascença volta a sua cor original
Restauro da Associação Comercial fica pronto este mês
Restauro da Associação Comercial fica pronto este mês
Hotel Centenário em funcionamento após reforma
Hotel Centenário em funcionamento após reforma
No início dos anos 1960, Elzi e Otacílio Pereira do Vale se casaram e festejaram a união no amplo salão do Hotel Renascença. Poucos anos após ter comprado o Fundo de Negócios do lugar, o marido propôs à mulher que ficassem, por um tempo, morando no histórico prédio da Praça da Estação (ou Praça Dr. João Penido). Por mais de dez anos, o casal fez do endereço sua moradia, e Eliseu, um dos filhos, nasceu e cresceu tendo a antiga estação da linha Central do Brasil como paisagem de sua janela. Já adolescente, ele saiu para uma nova casa. Décadas depois, em 2006, casado e com dois filhos, Eliseu retornou para morar durante três anos no hotel do qual havia se tornado dono. Sua intenção era vender o que tinha para comprar o restante do imóvel tombado, que ao longo do tempo foi sendo fracionado e comercializado. Hoje, ele é o proprietário de todo o Renascença e da maioria das lojas que se espalham pela fachada.
Orgulhoso, ele fala com emoção de uma casa que fez sua história pessoal e faz parte da história coletiva de toda a cidade. “Esse hotel é de 1887, é o segundo mais antigo de Minas Gerais, e já hospedou várias celebridades e autoridades. Três presidentes da República: Artur Bernardes, Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra. A cidade começou aqui”, conta ele, que também começou por lá e, por isso, resolveu restaurar a fachada, retornando à cor original do prédio. Além disso, revitalizou todo o telhado e outras partes internas, como o antigo salão que hoje serve como restaurante, tendo sido reduzido à metade pela ampliação das lojas.
“Uma história não se faz de um dia para o outro. Não conseguimos facilmente encontrar um prédio hoje feito com os recursos da época, do século XIX”, diz, afirmando que o alicerce é todo feito de madeira, e a construção, toda em tijolo maciço. Proprietário do hotel desde 1995, Eliseu gastou, apenas com a pintura frontal, cerca de R$ 50 mil, cifra alta para um empreendimento que atende, majoritariamente, as classes mais baixas. “É mais o amor pela história. Seria muito mais fácil, para mim, jogá-lo no chão e fazer um novo, do que conservá-lo”, comenta, confirmando ser o prédio, protegido pelo município em 2000, isento de IPTU.
Esperançoso com o futuro da praça e da área histórica central de Juiz de Fora, Eliseu tornou-se, nos últimos anos, um dos maiores incentivadores da revitalização do endereço. “Ao longo do tempo, foi se degradando. Fui o primeiro a retirar as marquises para manter a originalidade do prédio”, observa. Recentemente assinou um contrato de longo prazo com um empresário da cidade, proprietário do Edifício Gattás Bara. Tendo o irmão como sócio, ele restaurou todo o prédio, e, há pouco mais de dois meses, reinaugurou o Hotel Centenário. No último mês, Eliseu recebeu da Funalfa o reconhecimento de sua dedicação com o título Amigo do Patrimônio, prêmio (representado por uma placa) oferecido aos que se empenham em recompor e preservar a memória de Juiz de Fora.

O azul que faltava

Foi Eliseu quem incentivou a restauração de uma das mais degradadas fachadas da Praça da Estação. Após anos de impasse, a Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora inaugura, no próximo dia 30, a nova fachada, totalmente revitalizada em tons de azul, cores da entidade. “Normalmente o custo é muito mais alto do que de um prédio convencional. Nossa fachada, diferentemente da do Hotel Renascença, é cheia de detalhes, o que acaba fazendo com que a restauração seja muito mais trabalhosa”, ressalta o presidente da instituição, Aloísio Vasconcelos Barbosa. Segundo ele, a expectativa é de que a ação de preservação custe em torno de R$ 120 mil, valor alto, mas justo pela relevância do prédio. “Pesa, porque a associação vive pura e exclusivamente da contribuição voluntária de seus associados, mas estamos confiantes, porque várias empresas já demonstraram interesse em ser parceiras na restauração”, diz.
Certo de que o encerramento desse impasse incentivará outros espaços centrais da cidade, Aloísio não tem dúvidas de que a preservação dessa memória repercute em diversos outros setores, entre eles a economia, já que injeta mais fôlego a uma região em crescente desprestígio. “Não podemos deixar acontecer na cidade o que ocorreu no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e Santos, de a área central ficar toda degradada. A revitalização aqui é urgente”, sentencia. Com essas duas revitalizações, o conjunto arquitetônico da Praça da Estação fica quase completamente conservado, com exceção de três prédios – um na esquina entre as ruas Halfeld e a Francisco Bernardino; outro que serviu de sede para o finado Cine São Luiz; e um último, amarelo, em pior estado, que era o Hotel Príncipe.
De acordo com a arquiteta e urbanista Lina Stephan, responsável pelo projeto de restauração do antigo Príncipe em conjunto com a ONG Permear, em abril de 2013 foi iniciado o processo, com o pedido de revitalização, e esse ano a Prefeitura respondeu solicitando ajustes na proposta. O prédio segue em deterioração, com a torre já bastante inclinada. Para a profissional, a edificação pode estar bastante comprometida, mas isso só é possível comprovar com o início das obras, quando houver acesso à estrutura da construção (grande parte do telhado fica inacessível pela presença de um forro, que só pode ser mexido mediante documentação). “O proprietário do imóvel está muito disposto, estamos em negociação”, afirma Lina.
“Gradativamente, um prédio puxa o outro, e eles acabam entrando em uma linha de conservação ideal”, observa o superintendente da Funalfa Toninho Dutra. Segundo ele, faz-se necessário, então, a criação de um novo projeto para o espaço, que respeite o uso de hoje e valorize o endereço da mais nobre das estações da cidade no século XIX e meados do XX. “Trabalhamos a possibilidade da revisão da lei do potencial construtivo, para que o proprietário se sinta mais incentivado”, conta Dutra, destacando a importância de criação de ações que gerem o sentimento de pertencimento e responsabilidade com o centro histórico de Juiz de Fora. Conforme explica, o próprio prêmio Amigo do Patrimônio, que esse ano contemplou duas escolas, o historiador Roberto Dilly, o blog Maria do Resguardo e Eliseu Pereira do Valle, mostra a força da “preservação ligada ao cidadão comum”. É quando a história individual ajuda a escrever a narrativa coletiva.

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