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Filho de brasileiro cria filme sobre pai, anônimo no país e famoso na África
Santoro jogou com Garrincha e Jairzinho no Botafogo antes da troca de endereço nos anos 60 para fazer carreira na África do Sul. Ele faleceu em 2011 de ataque cardíaco
Por Thiago de LimaJoanesburgo, África do Sul
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A notícia da morte de Jorge Santoro Herrmann não chegou ao Brasil. Mas o ataque cardíaco sofrido pelo ex-jogador brasileiro no dia 26 de fevereiro de 2011, aos 66 anos, foi informado em toda África do Sul. Foi lá que o então meia armador jogou praticamente durante toda sua carreira, mas que teve início no Botafogo de Garrincha, Zagallo, Jairzinho e Nilton Santos no começo dos anos 60. Uma rápida passagem com poucos registros e lembranças, antes de trocar de país, conquistar fama e se tornar popular para muitos sul-africanos. Uma história que será contada agora em filme.
Um dos três filhos do brasileiro, Illan Herrmann começou a produzir um documentário sobre a vida de seu pai. Apesar de nunca tê-lo visto em ação, já que nasceu em 1972 e cresceu após a aposentadoria de Santoro, sempre o enxergou como um ídolo. Tanto que também tentou ser jogador na infância, mas com o tempo desistiu para virar editor de revista esportiva e educador. Além de resgatar uma época em que só conheceu por vídeos, a ideia do filme é mostrar um legado deixado pelo familiar.
- Meu pai foi um homem incomum, e nem todos, especialmente agora, sabem quão importante ele foi. Que ele foi um grande jogador todos aqui viram, mas além disso eles não sabem. Ele foi modelo para muitos jovens que estavam iniciando a carreira. Todos queriam ser como Santoro. Ele mudou a geração da África do Sul. Veio do Brasil e foi um pioneiro, mudou o jeito de jogar com um toque brasileiro e deixou um grande legado. E como pessoa sempre foi carismático, extravagante, engraçado, como um brasileiro de fato - contou.
- Meu pai foi um homem incomum, e nem todos, especialmente agora, sabem quão importante ele foi. Que ele foi um grande jogador todos aqui viram, mas além disso eles não sabem. Ele foi modelo para muitos jovens que estavam iniciando a carreira. Todos queriam ser como Santoro. Ele mudou a geração da África do Sul. Veio do Brasil e foi um pioneiro, mudou o jeito de jogar com um toque brasileiro e deixou um grande legado. E como pessoa sempre foi carismático, extravagante, engraçado, como um brasileiro de fato - contou.
O projeto surgiu em 2012 e começou a sair do papel no ano passado. Illan está à frente da iniciativa com o auxílio de uma diretora de Joanesburgo. Eles já entrevistaram Kaizer Motaung, presidente do Kaizer Chiefs - um dos principais clubes da África do Sul e atual campeão -, Gerry Ostrofsky, ex-árbitro da liga principal sul-africana, além de jornalistas e comentaristas esportivos. Um trailer para o documentário também já foi produzido (veja no vídeo acima). O próximo passo é conseguir investidores e, mesmo sem conhecer o Brasil ou falar português, vir ao país para outras entrevistas, além de divulgar o filme também em terras tupiniquins.
- Meus irmãos me dão suporte, mas sou eu que estou dirigindo, levando o projeto à frente. Há uma outra diretora que está trabalhando comigo e ajudando a fazer as entrevistas. Quero organizar algumas entrevistas no Brasil, com Zagallo, Jairzinho, que foi um amigo do meu pai, quem sabe o Pelé, depois editar e discutir com os canais de TV aqui. Definitivamente, espero que exibam também no Brasil.
- Meus irmãos me dão suporte, mas sou eu que estou dirigindo, levando o projeto à frente. Há uma outra diretora que está trabalhando comigo e ajudando a fazer as entrevistas. Quero organizar algumas entrevistas no Brasil, com Zagallo, Jairzinho, que foi um amigo do meu pai, quem sabe o Pelé, depois editar e discutir com os canais de TV aqui. Definitivamente, espero que exibam também no Brasil.
CRIA DO BOTAFOGO: APOSTA PARA SUPRIR DIDI
Nascido em 29 de junho de 1944 em Belo Horizonte, Santoro mudou-se cedo para o Rio de Janeiro, onde cresceu jogando bola na praia de Copacabana, futsal no Flamengo e deu os primeiros passos no campo pelo Centenário, de Petrópolis, aos finais de semana. Mas foi no futebol de areia que virou o craque de um time chamado "Lá Vai Bola" e chamou a atenção do Renatinho Estelita, filho de Renato Estelita, famoso diretor do Botafogo na época. O amigo o indicou ao pai, que o levou com 17 anos para General Severiano. Segundo reportagem do "Correio da Manhã", um antigo jornal carioca, o Santos de Pelé também tinha interesse no garoto, mas ele optou pelo time da estrela solitária para ficar mais perto de casa.
- Era amigo dele, a gente morava no Posto 6 em Copacabana, frequentava a mesma praia. Eu era torcedor do "Lá Vai Bola", naquela época o futebol de areia era coisa séria e ficava cheio. Tinha o time do Leme, da Urca, do Leblon... E ele era muito bom, um meio-campo daqueles que corriam mais que qualquer pessoa na vida. Aguentava o tempo todo correndo e era habilidoso. Eu disse ao meu pai que tinha um cara que era muito bom e era meu amigo, e ele falou que podia fazer um treino lá no Botafogo. Foi treinar e ficou, gostaram dele. O último meio de campo do Botafogo era Santoro e Afonsinho. Mas naquele tempo só tinha cobra (craque), né? Eles não iriam ter chance tão cedo - lembra Renatinho.
O periódico publicou que Santoro teria um salário de 25 mil cruzeiros mensais. A edição do dia 12 de dezembro de 1962 revelou a contratação e disse que o dirigente escondeu o garoto da imprensa para evitar alardes. Segundo a notícia, o jovem seria primo de Heleno de Freitas, um dos maiores ídolos do Botafogo e falecido três anos antes num hospício em Minas Gerais. Illan Herrmann não soube confirmar a informação do parentesco. Desta época, ele guarda apenas alguns relatos e recortes de jornais em que o pai aparece ao lado de craques de um time que tinha Garrincha, Jairzinho, Amarildo, Zagallo, Nilton Santos, Manga, Quarentinha...
- Ele dizia que Nilton Santos sempre estava olhando por ele, por ser o mais jovem. Já Garrincha ele dizia que era mais quieto e gostava de beber cachaça (risos) - recorda Illan.
Jogos oficiais pelo Botafogo:
16/01/1963 - 5 x 0 Barcelona-EQU
27/01/1963 - 0 x 0 Milonarios-COL
16/01/1963 - 5 x 0 Barcelona-EQU
27/01/1963 - 0 x 0 Milonarios-COL
Foi destaque na edição do dia 3 de janeiro de 1963 do "Correio da Manhã", onde revelaram a origem da alcunha "Santoro", que não fazia parte de seu nome, mas adotou o apelido por ser sobrinho de Fada Santoro, uma famosa atriz da época. Nos primeiros treinos no Alvinegro, o jornal o descreveu como dono de uma vasta cabeleira e inibido, mas com potencial para se tornar um craque. Ele estaria sendo preparado para ser um dos candidatos a suprir a saída de Didi, que virou jogador e técnico do Sporting Cristal, do Peru, após a Copa do Mundo de 1962.
Ainda em janeiro, a promessa se juntou aos principais jogadores e ao técnico Marinho Rodrigues - pai adotivo do Paulo Cezar Caju - numa excursão pela América do Sul para a disputa de nove amistosos. É dessa viagem que existem registros de suas únicas partidas oficiais pelo Botafogo: vitória por 5 a 0 sobre o Barcelona de Guayaquil, em Quito (Equador), e empate por 0 a 0 com o Millonarios, em Bogotá (Colômbia). Nas duas oportunidades, entrou no decorrer do jogo no lugar de Amarildo e não marcou nenhum gol. Os dados são de Pedro Varanda, pesquisador da história do Botafogo. Um dos craques da equipe na época, Jairzinho guarda poucas recordações.
Tinha uma qualidade aproveitável, só não teve sucesso no Botafogo porque encontrou jogadores de altíssima qualidade, especialmente na posição dele"
Jairzinho, ex-companheiro de Santoro
- Eu tenho poucas lembranças, até porque a passagem dele pelo Botafogo foi muito curta. Nesse momento eu era uma das estrelas do time, e ele era um companheiro, um cara equilibrado, educado para ser jogador de futebol. Tinha uma qualidade aproveitável, só não teve sucesso no Botafogo porque encontrou jogadores de altíssima qualidade, especialmente na posição dele - justificou o Furacão, que não sabia da morte do antigo companheiro.
Ao voltar ao Brasil, Santoro seguiu treinando entre os reservas. Pelas notícias, o então meia-armador sempre fazia gols nas atividades contra o time formado por aspirantes. Mas pouco se sabe depois disso. Ainda naquele ano, ele teria sofrido uma séria lesão na perna que o tirou de toda a temporada. O posto de substituto de Didi ficou com Gerson, contratado pelo Botafogo em 1964. Já o jovem perdeu espaço, deixou o clube sem alarde e teve sua breve passagem esquecida. Companheiros na ocasião, Manga e Amarildo não se recordam mais dele. Zagallo diz que o nome não lhe é estranho, tem uma vaga impressão de que jogou ao seu lado, mas sem nenhuma lembrança.
DESTINO ÁFRICA: AVENTURA E REENCONTROS
Um ano antes de falecer, Santoro concedeu uma entrevista ao SporTV durante a Copa do Mundo da África do Sul (veja no vídeo ao lado). Ao lembrar de sua ida para o país, citou como uma aventura: "Pensei que tinha até leão no meio do campo, girafa". A história de sua chegada, contada por Illan Herrmann, foi aos 20 anos e a convite de um treinador chileno chamado Mario Tuani, que levou ainda outros jogadores da América do Sul para Joanesburgo - entre eles outro brasileiro, Walter da Silva. A proposta financeira era vantajosa, segundo palavras do próprio meia. Lá, passou por seis clubes até encerrar a carreira no início dos anos 70: Hellenic, Highlands Park - um dos mais fortes do país na época -, Powerlines, Berea Park, Arcadia Shepherds e Lusitano. Canhoto habilidoso, fez sucesso, ganhou o apelido de "Príncipe" e se tornou o jogador mais caro da liga sul-africana.
- Foi no Highlands Park, maior time de Joanesburgo, que ficou famoso. Todos iam ao estádio para vê-lo jogar. Ele trouxe um novo jeito de jogar para o país. Antes era mais um estilo inglês, e ele mostrou o estilo brasileiro, trouxe um pouco da cultura e se tornou o brasileiro mais famoso que já viveu aqui. O mais importante é que ele foi uma espécie de embaixador brasileiro na África do Sul - explicou Illan.
Santoro foi popular até entre a população negra, maioria na África do Sul, num período em que o país vivia o "Apartheid", regime de segregação racial que durou até 1994. Os negros tinham horário para trabalhar, voltar para casa e não podiam se misturar com os brancos, nem no futebol. Foi nessa época, nos anos 70, que reencontrou um velho conhecido dos tempos de Botafogo, Jairzinho.
- Eu fui convidado para fazer uma exibição dentro da comunidade dos negros e aceitei. Lá, tomei conhecimento que ele estava morando na cidade, ele ficou sabendo que eu estava lá, e nós nos encontramos. Eu fui jogar pelo clube dos negros num torneio, e ele tentou me colocar para jogar uma partida também pelo time dele, que era clube dos brancos. Mas houve uma interdição e não pude jogar (ao lado dos brancos) - lembrou.
- Foi no Highlands Park, maior time de Joanesburgo, que ficou famoso. Todos iam ao estádio para vê-lo jogar. Ele trouxe um novo jeito de jogar para o país. Antes era mais um estilo inglês, e ele mostrou o estilo brasileiro, trouxe um pouco da cultura e se tornou o brasileiro mais famoso que já viveu aqui. O mais importante é que ele foi uma espécie de embaixador brasileiro na África do Sul - explicou Illan.
Santoro foi popular até entre a população negra, maioria na África do Sul, num período em que o país vivia o "Apartheid", regime de segregação racial que durou até 1994. Os negros tinham horário para trabalhar, voltar para casa e não podiam se misturar com os brancos, nem no futebol. Foi nessa época, nos anos 70, que reencontrou um velho conhecido dos tempos de Botafogo, Jairzinho.
- Eu fui convidado para fazer uma exibição dentro da comunidade dos negros e aceitei. Lá, tomei conhecimento que ele estava morando na cidade, ele ficou sabendo que eu estava lá, e nós nos encontramos. Eu fui jogar pelo clube dos negros num torneio, e ele tentou me colocar para jogar uma partida também pelo time dele, que era clube dos brancos. Mas houve uma interdição e não pude jogar (ao lado dos brancos) - lembrou.
O destino lhe reservou ainda mais um reencontro com outro antigo companheiro, Zagallo, quando o então técnico da seleção brasileira esteve em Joanesburgo em 1997. O jornal sul-africano "Metro Sport" registrou a visita surpresa que Santoro fez para o Velho Lobo na cidade.
Após encerrar a carreira, o brasileiro adotado pela África do Sul continuou ligado ao futebol e trabalhou como treinador no país por mais dez anos. Na função, também teve um papel importante: quando comandou o Lusitano, um clube de portugueses na cidade, colocou um negro para jogar entre os brancos e criou polêmica como defensor da mistura racial. Seus feitos o deixaram famoso, mas há quem discorde da visão de ídolo por lá.
- Santoro foi um jogador muito astuto e popular com os fãs. Mas ele não foi um ídolo, isso é querer esticar muito o mito - opinou Mark Gleeson, comentarista esportivo, jornalista do portal Times Live e correspondente do país para as agências de notícias "BBC" e "Reuters".
Após encerrar a carreira, o brasileiro adotado pela África do Sul continuou ligado ao futebol e trabalhou como treinador no país por mais dez anos. Na função, também teve um papel importante: quando comandou o Lusitano, um clube de portugueses na cidade, colocou um negro para jogar entre os brancos e criou polêmica como defensor da mistura racial. Seus feitos o deixaram famoso, mas há quem discorde da visão de ídolo por lá.
- Santoro foi um jogador muito astuto e popular com os fãs. Mas ele não foi um ídolo, isso é querer esticar muito o mito - opinou Mark Gleeson, comentarista esportivo, jornalista do portal Times Live e correspondente do país para as agências de notícias "BBC" e "Reuters".
BRASIL: PERCALÇOS DE IDAS E VINDAS
Illan Herrmann garante: nunca passou pela cabeça de seu pai se naturalizar sul-africano. "Ele sempre foi muito orgulhoso de ser brasileiro", alegou. A saudade do Brasil, da família e dos amigos ele matava sempre que podia, nas férias. Mas numa dessas idas e vindas da terra natal, um acidente quase lhe foi fatal. Foi atravessando a Avenida Nossa Senhora de Copacabana que um carro o atropelou. Atendido na época por Lídio Toledo - médico da seleção brasileira em seis Copas do Mundo e falecido em 2011 -, Santoro, gravemente ferido, ficou um ano e meio afastado do futebol, entre 1968 e 1969, segundo o filho.
- Ele estava com uma amiga, Tânia, e o carro atropelou os dois. Pegou a perna dele, fraturou em dois lugares, uma coisa de louco. Ele operou e ficou se recuperando na minha casa inclusive. Teve fotografo lá em casa tirando fotografia e tudo. Até depois disso ele conseguiu jogar de novo, mas nunca mais foi a mesma coisa - diz Renatinho, que passou um tempo da recuperação com o amigo na África do Sul.
Nas palavras de Illan, a história ganha contornos mais heroicos.
Se ele tivesse continuado no Brasil, muitos dizem que ele poderia defender a Seleção. Ele saiu em 1964, e o Brasil na Copa do Mundo de 1970 tinha o Gerson. Talvez meu pai pudesse estar lá também. Mas isso nós nunca saberemos..."
Illan Herrmann, filho de Santoro
- Eu escutei uma história de que tinha uma mulher importante, filha de um general da marinha, atravessando a rua quando um carro estava vindo. Meu pai se jogou na frente e quebrou a perna. Por causa da importância da mulher, levaram ele para o melhor hospital, o que ajudou a salvar sua perna - contou.
O caminhar era com dificuldade nos anos finais da vida de Santoro. Passos lentos, frutos das lesões que sofreu. Olhando para trás, o filho acredita que o pai nunca se arrependeu de ter deixado seu país para viver uma aventura. Mas em sua visão, a troca de endereço pode ter evitado a chance de vestir a famosa amarelinha numa época em que o Botafogo era a base da Seleção.
- Santoro foi um jogador diferente, tinha uma grande visão de jogo, era imprevisível, tinha um controle de bola excepcional. Se ele tivesse continuado no Brasil, muitos dizem que ele poderia defender a Seleção. Ele saiu em 1964, e o Brasil na Copa do Mundo de 1970 tinha o Gerson. Talvez meu pai pudesse estar lá também. Mas isso nós nunca saberemos...
- Santoro foi um jogador diferente, tinha uma grande visão de jogo, era imprevisível, tinha um controle de bola excepcional. Se ele tivesse continuado no Brasil, muitos dizem que ele poderia defender a Seleção. Ele saiu em 1964, e o Brasil na Copa do Mundo de 1970 tinha o Gerson. Talvez meu pai pudesse estar lá também. Mas isso nós nunca saberemos...
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