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OLHAR CRÔNICO ESPORTIVO
Os riscos do excesso
Hesitei um pouco, pensei um pouco mais que o usual antes de escrever esse texto. Pensando em comodidade, o ideal seria nem escrevê-lo, habituado que estou aos comportamentos internéticos, sobretudo em questões polêmicas. Felizmente, porém, a consciência tem razões que o conforto e o comodismo desconhecem e eu acredito que ou se escreve de acordo com os ditames de nossa consciência ou não se escreve.
Racismo é um crime abjeto. É a negação do que nos faz humanos. Nem por isso, todavia, é correto perseguir alguém flagrado em tal crime da forma como vem ocorrendo com a torcedora do Grêmio, que foi flagrada pelas câmeras xingando o goleiro Aranha. Não se combate o crime com outros crimes, não se busca a justiça com a injustiça.
Pessoalmente, ao contrário da legislação, sempre leniente, não diferencio ofensa racial da prática do racismo. É tudo crime e esse posicionamento tem sido firmemente demonstrado nesse OCE.
Portanto, na minha visão, o cidadão Mario Lucio Duarte Costa, o Aranha, goleiro do Santos FC, foi vítima de um crime muito grave ao ser grosseira e desgraçadamente xingado no estádio do Grêmio. Com ele, foram vítimas também seus filhos, sua família e imensa porção do povo brasileiro.
Crimes, por serem crimes (essa redundância é proposital), têm que ser punidos. Com maior severidade quanto maior e melhor for a condição social, educacional e econômica do réu. Sempre e tudo de acordo com a lei.
A punição, porém, é alçada exclusiva da justiça e de seu aparato legal. Que garantem o direito de defesa e um julgamento justo de acordo com as leis.
Punir, fazer justiça, não é direito do cidadão comum. Nesse sentido, acredito que uma das pessoas que praticaram esse crime, uma mulher jovem que já foi identificada, não deve ser vitimada pelas redes sociais. Punir um crime com outro não é fazer justiça e está distante do que seja civilização.
Abstenho-me de citar seu nome e mostrar sua foto ou o vídeo em que é flagrada xingando o goleiro Aranha. Já foi exposta em demasia, até mesmo por boa parte dos veículos de comunicação, e esse excesso para pouco de útil serviu. Daqui por diante, as providências cabíveis nesse caso estão por conta do aparato legal do Estado – a polícia e a justiça, investidas do devido poder para isso pela própria sociedade.
O Grêmio já fez o que era possível e dentro de suas possibilidades. Expulsou, incontinenti, as pessoas envolvidas e já identificadas que eram sócias do clube. Independentemente disso, o clube está sujeito a fortes penalidades por meio do STJD.
Há quem ache que em casos desse tipo e outros o clube não deve ser punido e que isso deve limitar-se aos envolvidos. A punição ao clube, porém, tem um forte caráter didático. Espera-se que em casos de transgressão da lei nos estádios, as pessoas presentes e que estão acompanhando os fatos se manifestem, chamando as autoridades policiais ou do clube e identificando os autores. Isso não aconteceu no jogo do Grêmio contra o Santos. Na medida em que os torcedores verdadeiros tiverem plena consciência dos riscos a que seus clubes estarão sujeitos, acabarão por intervir, evitando ou diminuindo o agravamento de fatos como esse. Por sinal, esse aprendizado já aconteceu em relação ao lançamento de objetos no gramado e a pronta ação de torcedores verdadeiros, aqueles que se preocupam com seus clubes, evitou que muitos clubes fossem punidos ou punidos com maior severidade.
A internet e as redes sociais são conquistas da humanidade e são ferramentas preciosas para aumentar nosso conhecimento, estreitar relações, manter e fazer amizades e, também, claro, opinar sobre tudo e qualquer coisa.
São ótimas, também, para pedir, exigir justiça, para que criminosos sejam devidamente punidos.
Justamente pelo alcance e penetração dessas ferramentas hoje, é preciso cuidado no seu emprego. Há limites que devem ser respeitados e a verdadeira caçada de que a autora dos xingamentos tem sido alvo em pouco ou nada ajuda a que a justiça seja feita.
Enquanto escrevia esse texto e logo depois ficava sem internet devido a um problema na torre de rádio que nos envia o sinal, a casa da torcedora gremista que teve sua imagem flagrada xingando Aranha foi apedrejada, conforme noticia o portal GloboEsporte (aqui). Aparentemente, estava vazia, mas se os moradores lá estivessem e tentassem reagir, o que poderia ter acontecido? E se aparecesse a própria personagem, alvo da ira extremada dos apedrejadores?
Não é por aí.
Fazer justiça com as próprias mãos não é e nunca foi o caminho.