sábado, 7 de junho de 2014


SUMIU »Onipresente em 1950, crônica esportiva faz falta na segunda Copa brasileiraComentários técnicos tomaram o lugar dos textos mais literários e apaixonados

Fellipe Torres - Diario de Pernambuco
Publicação: 07/06/2014 17:00 Atualização: 06/06/2014 19:17

Foto: Arquivo/EM
Foto: Arquivo/EM
Às vésperas da Copa do Mundo de 1950, quando o pernambucano Nelson Rodrigues começou a escrever crônicas esportivas no jornal Última Hora, havia algumas dezenas de jornalistas na mesma função, somente no Rio de Janeiro. Agora, quando o Brasil sedia o campeonato pela segunda vez, dificilmente o torcedor encontra textos com a mesma paixão, engajamento e ufanismo daqueles tempos. 
Credito: Cedoc/Funarte
Credito: Cedoc/Funarte
Na mídia impressa, onde o espaço foi ocupado pela objetividade tão criticada por Nelson, poucos autores ainda trazem vida para o futebol: Luis Fernando Veríssimo, José Roberto Torero, Xico Sá. Nenhum deles, no entanto, é cronista esportivo de profissão. A figura desse profissional, outrora responsável pela popularização do futebol e até pela construção de uma identidade nacional, está praticamente extinta dos jornais. Não há substitutos para Mário Filho, João Saldanha, Armando Nogueira. 

“Ao observar Nelson Rodrigues, Zé Lins do Rego, Drummond, você vê que falta algo nas crônicas de hoje. Os textos são mais simples, diretos, sem nada de literário”, comenta Janilto Andrade, professor de teoria da literatura na Universidade Católica de Pernambuco. “Talvez o leitor seja menos exigente. É um fenômeno amplo, que não se restringe à crônica esportiva. Não se pode condenar, pois é um espelho da sociedade”.

Para o pesquisador Alisson dos Santos Matos, da Fapcom/SP, nas redações ainda há profissionais capazes de textos excelentes, como Mauro Betti, Juca Kfouri, Tostão e João Márcio, mas as crônicas esportivas como eram feitas antigamente se tornaram raras por causa da natureza do jornalismo moderno. “Há maior preocupação com a informação detalhada, exata. Não sei se o torcedor de hoje se interessaria por um texto voltado para a fantasia. Nelson Rodrigues escrevia para quem não assistia aos jogos. Era o olho do torcedor”. 

Após o agravamento de um problema de visão, o “Anjo Pornográfico” chegou ao ponto de levar o jornalista carioca Marcelo Rezende até os estádios para saber o que acontecia em campo e, assim, produzir as crônicas. “Esses textos só iriam ser lidos no dia seguinte pelo torcedor desinformado. Hoje em dia, assim que o jogo acaba, a internet dá todos os detalhes da partida. A velocidade da informação contribuiu para diminuir o que foi a crônica esportiva”, conclui Matos. 

Ironicamente, a própria internet abriga tentativas isoladas de dar uma sobrevida às crônicas de valor literário, sendo a mais consistente delas o portal Impedimento.org, onde escrevem jornalistas como Leonardo Sacco e Douglas Ceconello. “Nossos textos atendem a três critérios: falar do futebol na América do Sul, ser bem escrito e exclusivo. Abrimos espaço para diversos formatos, inclusive mais literários, como contos”, explica Ceconello, fundador do site. “Atendemos, ainda, aspectos mais obscuros do jornalismo esportivo, com análises enviesadas que muitas vezes dão mais atenção ao que acontece fora do campo, bem como a personagens que dificilmente terão atenção dos veículos tradicionais”. 

Foto: Francisco Medeiros/ME/Portal da Copa
Foto: Francisco Medeiros/ME/Portal da Copa


CRONISTAS (OU QUASE ISSO)>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> 

João do Rio - “A mocidade fala só de matchs de futebol, de goals, de chutes, em uma algaravia técnica, de que resultam palavras inteiramente novas no nosso vocabulário” (Gazeta de Notícias, 1905) 

Lima Barreto - Crítico ferrenho do futebol, era contra tudo o que o esporte representava, como a importação de hábitos estrangeiros. Tratava o tema com ironia. “Das coisas elegantes que as elegâncias cariocas podem fornecer ao observador imparcial, não há nenhuma tão interessante como uma partida de football. É um espetáculo de maior delicadeza em que a alta e a baixa sociedade cariocas revelam sua cultura e educação”. (Revista Careta, 1920) 

Graciliano Ramos - Considerava o futebol um modismo. “(O futebol) vai ser, por algum tempo, a mania, a maluqueira, a ideia fixa de muita gente. (...) Vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo fogo de palha capaz de durar bem um mês”. (O índio, 1921) 

Gilberto Freyre - O sociólogo pernambucano acreditava na nacionalização do futebol, com atletas mulatos e a ginga e malícia tupiniquim. “O nosso estilo de jogar parece contrastar com o dos europeus por um conjunto de qualidades de surpresa, de manha, de astúcia e ligeireza e ao mesmo tempo de brilho e de espontaneidade individual (...) nossos passes, pitus, despistamentos, os nossos floreios com a bola, alguma coisa de dança e capoeiragem” (Diario de Pernambuco, 1938) 

Mario Filho - Defensor radical do esporte, o jornalista pernambucano fazia a relação entre o futebol e a construção de uma identidade nacional. Em 1936, fundou o Jornal dos Sports, primeiro veículo especializado em futebol. Irmão de Nelson Rodrigues, foi ele quem trouxe para a crônica uma linguagem mais simples, acessível, que aproximou o público. 

José Lins do Rego - Cronista do Jornal dos Sports, era apaixonado pelo Flamengo. “Apesar de tudo, o rapaz ainda é o melhor do Brasil. Reclamando, enfezado, irritando até as traves dos gols, ainda é ele o melhor, o mais eficiente, o de mais classe, o mais capaz. Outros poderão vir, mas, por enquanto, ninguém se aproxima dele” (Jornal dos Sports, 1946, sobre o jogador Heleno de Freitas) 

Credito: Cedoc/Funarte
Credito: Cedoc/Funarte


Nelson Rodrigues - Expoente da crônica esportiva, criou expressões que foram imortalizadas, como o “complexo de vira-latas”, “óbvio ululante”, “a pátria em chuteiras”. Nas crônicas, mesclava realidade e ficção. Foi graças a uma crônica do pernambucano que o jovem Pelé ganhou o título de rei do futebol: “Verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis”. (Manchete Esportiva, 1958) 

Armando Nogueira - Autor de crônicas de grande apelo estético e recheadas de metáforas. Cunhou frases como: “para entender a alma do brasileiro é preciso surpreendê-lo no instante do gol”. “A bola rola para todos, mas só dá bola para alguns.” “Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”. “Jogador comum vê a jogada, o craque antevê”. 

João Saldanha - O cronista abordava múltiplos aspectos do futebol, sobretudo aquelas relacionadas aos bastidores do esporte. Criou expressões como: “a vaca vai pro brejo”, “mostrar o mapa da mina”, “entregar o ouro aos bandidos”, “estar no bagaço”, “zona do agrião”, “ir para o vinagre”, “coelhinho de desenho animado” 

Juca Kfouri - Jornalista esportivo contemporâneo, não investe tanto no lado “passional” das crônicas de outrora. Há poucos dias, publicou em seu blog: “Novo dia iluminado na Granja Comary (...) um gol por cobertura pela esquerda de Hulk, superando o goleiro Júlio César. Um gol espetacular do atacante que muitos, por ver seu físico, imaginam que seja só força. Erram feio. Além de força, Hulk tem jeito”. 

Menções especiais – também há futebol, com menor frequência, na obra de Oswald de Andrade, Mário Prata, Ruy Castro, Monteiro Lobato, Mario de Andrade, Stanislaw Ponte Preta, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Luiz Fernando Verissimo, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, João Cabral de Melo Neto 

Nenhum comentário:

Postar um comentário