A Cultura Paga a Fiança Cornetas soprando o fim do livre-arbítrio não são novidade. O problema veio à baila, ao longo da História, na esteira das tentativas de localizar a consciência. Do mesmo modo, os gritos de que somente a natureza determina a identidade sempre foram rebatidos por mostras de que a educação, a linguagem, o dinheiro no bolso repercutem no comportamento.
Para ficarmos num exemplo recente, pesquisadores da Universidade de Berkeley divulgaram que, em relação a quem dirige carros modestos, motoristas de automóveis de luxo têm quatro vezes mais chances de avançar sobre a faixa de segurança enquanto um pedestre tenta atravessar. O mesmo time de cientistas monitorou partidas de Banco Imobiliário com regras favoráveis a um dos jogadores. Os privilegiados enriqueciam rapidamente e, depois do jogo, eram os participantes que afirmavam com maior convicção que mereciam a vitória. Condições econômicas, o estudo conclui, trazem consigo um conjunto de valores.
E se "valores" não forem mais que um bate-papo entre neurônios? Para Daniel Dennett, não haveria nada a temer. Em visita a Porto Alegre em 2010, o filósofo observou que os avanços da neurociência só tiram o sono de quem quer preservar um tipo de livre-arbítrio que, para começo de conversa, nós nunca tivemos. Dennett considera que a Teoria da Evolução jogou uma última pá de cal na ideia de que a consciência habita uma "alma imaterial", mas isso não significa que Darwin ou os neurocientistas nocauteiem o livre-arbítrio.
O que temos, diz Dennett, é uma "alma informacional" fisiológica que aprende por repetição, "instalando" informação cultural no cérebro. Por que é absurdo que crianças sejam presas? Porque elas precisam de tempo para "instalar", por repetição, os aplicativos culturais que as libertem da ditadura daqueles "impulsos inconscientes" observados por Libet. Dennett está dizendo que não somos meras marionetes a mando da genética - também somos seres sociais.
Chegando à cultura pela via evolucionista, Dennett reconcilia áreas que nem sempre se tocam. Não é para menos: uma leitura torta da obra de Darwin já serviu para justificar o genocídio como método de "aperfeiçoar" a espécie. O nazismo, sugeriu a cientista política Hannah Arendt, desumanizou não só os judeus, como os próprios soldados alemães, transformados em autômatos. O exército nazi, assim, não seria convenientemente composto de cérebros programados para o mal, e sim de indivíduos privados da capacidade de pensar.
A descoberta da plasticidade do cérebro, do seu poder de se remodelar conforme a experiência, permite à neurociência não apenas colocar o livre-arbítrio em xeque, como também o exato oposto: se somar a Arendt no incentivo à liberdade e à diversidade do pensamento. E, se a versão de Dennett para o livre-arbítrio incomoda - trocar uma "alma imortal" por um "organismo que aprende por repetição" parece mau negócio -, ela segue como mais um lembrete de que somos seres complexos, irredutíveis a apenas natureza ou cultura.
- A resposta não pode ser reduzida a um binômio: perspectiva individual ou social. Émile Durkheim escreveu que o crime é inerente a qualquer sociedade saudável, embora mude sua forma de manifestação. É impossível eliminá-lo da estrutura social - diz Sanguiné, arrematando que caminhamos para uma "integração, ou seja, estabelecer fatores correlacionados com a produção da criminalidade".
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