Neurociência19/08/2013 | 04h11
Sob o império do cérebro
Avanços no mapeamento da atividade cerebral reanimam a sugestão de que somos marionetes da genética
Demétrio Rocha Pereira
Anos depois de libertado, um ex-detento senta de novo no banco dos réus. Voltou a furtar, é o que dizem. Como estamos falando de um reincidente, o juiz achou por bem descobrir se há algo de errado no cérebro do acusado. A perícia informa que ele tem um córtex cingulado anterior (ACC, na sigla em inglês) preguiçoso. Agora a acusação pede perpétua, porque um córtex dessa lavra não merece lugar entre os cidadãos de bem (os bem-acerebrados, diga-se), e a defesa vai se vacinando com a tese de que ninguém tem culpa por nascer com um parafuso a menos: o réu não passa de um robô programado para furtar.
Nosso julgamento é imaginado, mas a perícia se baseia em um estudo bastante real e recente, liderado pelos neurocientistas americanos Kent Kiehl e Eyal Aharoni. Eles monitoraram a atividade cerebral de 96 apenados e constataram que aqueles com ACC menos ativo tinham duas vezes mais chances de voltar a cometer crimes nos quatro anos seguintes à libertação. Como essa parte do cérebro está relacionada ao aprendizado com erros, seria possível dar uma espiada nos neurônios para conferir se alguém vai pisar na bola outra vez.
Não admira que o trabalho de Kiehl e Aharoni venha sendo comparado ao filme Minority Report, em que a polícia consegue enxergar o futuro e prender indivíduos que (ainda) não cometeram crime nenhum. Se ter o futuro inscrito na massa encefálica parece muito ficção científica, segue um exercício: espere um tempo e, num instante aleatório, mova um dedo. Qualquer dedo. Segundo o fisiologista Benjamin Libet, a decisão consciente de mover esse dedo foi precedida em cerca de meio segundo por uma atividade cerebralinconsciente. Você acha que moveu o dedo porque quis, mas apenas correu atrás de um fenômeno eletroquímico. Depois da pesquisa de Libet, nos anos 1980, pipocaram previsões cada vez mais ousadas, e em 2008 já havia neurocientistas antecipando a ação humana em até 10 segundos.
Hoje, palavras como "neuromarketing" e "neuroeconomia" povoam as estantes de best-sellers, e multinacionais estudam o cérebro para excitar emoções positivas em consumidores. Autor do livro A Anatomia da Violência, o psicólogo britânico Adrian Raine culpa a genética por metade dos crimes violentos. O neurocientista Sam Harris vai mais longe e decreta que sua área de estudo sepultou o livre-arbítrio, e os psicólogos John Greene e Jonathan Cohen engrossam o caldo: o livre-arbítrio, eles dizem, não passa de "uma ilusão gerada por nossa estrutura cognitiva", ou seja, o delírio com um parafuso que nenhum de nós tem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário